Danilo Soares
Ver a banda passar pelas ruas da cidade, sem dúvida, faz parte do gosto popular brasileiro. Que dirá Chico Buarque de Holanda, que até hoje colhe a receptividade do público com a “Banda”, composição de sua autoria, feita nos finais dos anos 1960, nos velhos festivais da TV Record. “Estava à toa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar, tocando coisas de amor”. Verso singelos como esses, retratam o nosso imaginário e a nossa sensibilidade. Peque- nas coisas fazendo a felicidade de uma gente. Transportemos para São João Batista do Glória, uma pequena cidade do sudoeste de Minas, cheia de cachoeiras, matas, cachaça das boas e de uma gente que ainda aprecia as coisas simples e naturais. Ali também há um gosto evidente pela música. Pelas bandas, que no tempo de nossos avós apresentavam-se nas praças. Nesta pequena e admirável cidade, há mais precisamente uma paixão pelas fanfarras, velhas fanfarras que se apresentam nas festas cívicas da cidade. Que ao passarem pelas ruas, podemos ouvir a gritaria da meninada: “Olha a banda, olha a banda”. É isso, Glória tem uma fanfarra com mais de 40 anos. Seu nome simples, esconde um baita orgulho de sua gente: Fanfarra Municipal de São João Batista do Glória, nascida da predis- posição e força de vontade do professor Hélio Soares Negrão, um passense muito querido na cidade do Glória.
Dizem que quando inaugurada, a fanfarra contava com cerca de dez componentes e pelos registros com apenas um instrumento de cada espécie. “Esses equipamentos eram a novidade da época”, recorda Zoroastro De Simoni, proprietário do cartório da cidade, muito ligado à cultura e à história do município. Ele reforça: “os equipamentos da fanfarra eram inusitados para o povo, era como se fosse, hoje, uma TV última geração chegando à cidade”. Com tal escassez de instrumentos, no início, fico imaginando uma fanfarra de um bumbo só. Mas que quando alguém quer faz o maior barulho e festa. É essa a imagem que tenho, ao ouvir sobre a história da fundação da fanfarra do Glória. Instrumentos à disposição, foi preciso o empenho, muito esforço do professor Hélio, para que pudesse ser descoberta a vocação de várias pessoas para a fanfarra. É o que o povo conta. Um desses talentosos foi Ivore De Simoni, descoberto para fazer parte da fanfarra, por volta de 1971.
Ele explica à nossa reportagem que se apresentavam nas datas festivas da cidade, como o aniversario do município, as festividades rurais, entre outros momentos. O senhor Ivore, que viu várias gerações passando pela fanfarra do Glória, destaca que na época em que começou a tocar havia cerca de 30 integrantes apenas. “Havia uma dificuldade muito grande de encontrar pessoas para tocar os instrumentos, mas muitas, centenas de pessoas, gostavam mesmo era de ficar assistindo aos ensaios e sobretudo às apresentações. Era a opção de lazer para os finais de semana. Havia uma emoção no rosto de cada uma destas pessoas”, recorda o fanfarrista.
Com o passar dos anos, pessoas de todas as idades se ingressaram na fanfarra. Assim, gerações diferentes passaram a valorizar este bem cultural da cidade. Conforme lembra Ivore, “assim que Hélio Negrão deixou a regência da fanfarra, quem começou a guiar os integrantes foi o professor Tácio Martins da Silva, (já falecido),que esteve à frente por vários anos, mas ainda com a mesma dificuldade de instrumentos, que cada vez mais passaram a ser poucos, uma vez que o número de integrantes crescia a olhos vistos. Após Tacio Martins, a fanfarra ficou alguns anos parada e voltou sob os cuidados de Vilmar de Moraes,que há mais de 28 anos dedica seu tempo e esforço para fazer da fanfarra de São João Batista do Glória destaque na região. “A fanfarra é destacada por toda a gente da cidade, por sua qualidade aprimorada, por sua organização no antes, durante e depois dos desfiles, especialmente pela criação de novas cadências que embelezam sua apresentação”, revelam os atuais integrantes.
Ao lado de Vilmar Moraes, nos últimos anos a regência conta também com a participação de Zoroastro de Simone. Ambos vêm cada vez mais despertando credibilidade e confiança nos seus trabalhos, prova disso é que estão sendo convidados para ensaiarem outras fanfarras de cidades vizinhas. Hoje, quarenta anos depois das primeiras apresentações, e com mais de 60 instrumentos, a fanfarra emociona e desperta os mais profundos sentimentos.
A emoção de todosTrecho de uma crônica de Zoroastro de Simone, um “apaixonado” pela fanfarra gloriense com suas histórias que marcam uma época. “De repente em meio ao silêncio de uma tarde de sábado, por vezes num domingo de manhã, meus ouvidos percebem um ruído diferente do habitual pra’queles dias. Paro, atento, concentrado...; reconheço o toque dos tambores. É próximo de junho. É a fanfarra emsaiando. Em meio a esse grupo destaca-se um, especial, de nome Anderson: sem poder manifestar-se claramente pela fala, busca ansiosamente junto a Vilmar, ter o privilégio de se integrar ao grupo de instrumentistas”.
Segundo o dicionário Aurélio, fanfarra [Do Francês. fanfare.] 1. Ant. Toque de trompas e clarins nas caçadas. 2. Conjunto de melodias de caça. 3. P. ext. Banda de música que acompanhava os cortejos civis ou os regimentos de cavalaria; banda de cavalaria, charanga. No Brasil fanfarra oue bandas marciais são os nomes dados às bandas musicais compostas por várias pessoas, músicos, componentes Suas apresentações podem acontecer em ruas, avenidas, ginásios, campos de futebol, entre outros. As fanfarras trazem sempre em seus repertórios músicas e movimentações das mais diversas ao público.
Além dos que tocam instrumentos de sopro e percussão, existem componentes que se utilizam da arte cênica para implementar movimentos e beleza ao espetáculo apresentado, podendo vir a utilizar espada, lança, bandeira, mastro e outros. Podem ser conhecidos como linha de frente, corpo coreográfico, baliza de fanfarra, pelotão de bandeiras. O movimento de bandas ou fanfarras no Brasil segue vários estilos, muitas vezes regionais, uma vez que existem muitas culturas diferenciadas em todas as regiões. “Na fanfarra é onde tudo começa.
O movimento de bandas ou fanfarras no Brasil segue vários estilos, muitas vezes regionais, uma vez que existem muitas culturas diferenciadas em todas as regiões. “Na fanfarra é onde tudo começa.
A partir dela, tudo fica mais fácil para a instrução musical e social da pessoa”, diz Augusto, 20, na maior convicção. Pelo jeito, a fanfarra proporciona as maiores emoções e os melhores sentimentos na vida dos glorienses. “Para mim, ver as pessoas desfilando é uma das coisas mais emocionantes de minha vida. A alegria que sinto supera a do meu aniversário. A fanfarra é uma festa de todo mundo”, revela Dona Julia Souza, na sabedoria de seus 83 anos. Segundo Zoroastro de Simone, a fanfarra de São João Batista do Glória é de formação simplista e de fácil organização, além de seu grande efeito sonoro. Devido a sua linha melódica clara e bem definida, sempre acerta na combinação timbrística e rítmica, desde peças eruditas até as contemporâneas. Para ele, talvez uma orquestra fascine muito mais pela sua técnica e arrojo, mas uma fanfarra encanta a todos pela própria natureza de seu som puro e original. Como se vê, a paixão de todos pela fanfarra não tem limites.
Assim, na cadência harmoniosa da fanfarra, Glória vai seguindo com sua cultura, sua gente, sua história. História de um povo que aprendeu a viver em meio a dificuldades, prefácio de um lugar simplesmente deslumbrante, que encanta os sete ventos que passam. Vidas surradas, que com alegria transformam a natureza de um caminho. Percurso que começou do longe, bem longe, e que hoje ainda está com o mesmo fôlego, após uma caminhada de anos.
E quando chega o dia da apresentação oficial, não há quem não vibre e aplauda a cadência harmoniosa desta fanfarra que é um orgulho de todos os glorienses. Coisa de interior? Quem sabe! Mas coisas de quem ainda tem tempo para parar e ver a fanfarra passar.A história da fanfarra se resume na concretização de um sonho; de uma vontade que hoje alcança centenas de sonhos, que fazem parte de uma constelação de realizações que brilham. Foi graças a ele, o senhor Hélio Soares Negrão, que inúmeras pessoas puderam ir ao auge de sua alegria, compondo a Fanfarra Municipal de São João Batista do Glória.
Links Externos sobre São João Batista do Glória
Nenhum comentário:
Postar um comentário