quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Eu fui na zona

Por Vanildo Marley

De pessoas escondidas da sociedade, para uma popularidade que os cineastas e escritores e sem-vergonhas, como eu, abençoam. As garotas de programa, que antes ficavam atrás da porta, hoje se abriram (não conote) para a realidade e passeiam em bocas que vão do uísque à cachaça.

Talvez Julia Roberts, aliás, Vivian, em Uma Linda Mulher, ou Ana Paula Arósio transformada em Hilda Furacão tenham colaborado para a expansão das mulheres de “negócio” (faça mil conotações).

Mas não culpemos somente essas pobres personagens, pois, como dizem os religiosos (não é meu caso): o mundo está perdido sim! O mundo está mesmo desencontrado, porém, não é somente por isso. Não esquecemos da prostituição política, por exemplo.

Partindo direto ao que me ocorreu com as tais (não quis ser pejorativo, é vicio de linguagem mesmo) ... Não é nada que está imaginando. Apenas freqüentei alguns ambientes do gênero para observar a conduta dessas mulheres e, também, dos homens que vão atrás deste “prazer comercial”.

Sábado, 20 de março de 2010, após um dia exaustivo onde além de fazer uma mini mudança para Passos, fiquei na beira da estrada por mais de 3 horas depois que o motor do carro me deixou na mão e com um sol de graus incalculáveis, resolvo sair para beber aquela cerveja abençoada em algum boteco de Carmo do Rio Claro. Quando me intimo á ir embora, “vozes” me chamam para ir na zona. E no interior quando alguém chama para ir na zona, não é zona oeste ou sul como em metrópoles não. É zona de zona mesmo! Pensando já nesta matéria, fui! Do jeitão desengonçado que estava; chinelo de dedo, bermuda floral e uma camisa pré-histórica do Corinthians, pela minha memória de 1999.

Já no ambiente, o cidadão que me fez o convite pediu um goró. Entre uns goles e outros, ouvia-se na máquina de música (daquelas em que onde você compra uma ficha e tem direito a escolher uma música) ,
Zezé de Camargo e Luciano, Bonde do Tigrão (nesta hora a mulherada foi ao delírio), Terra Samba com boneco doido (tinha uma que parecia mesmo).

Quando tudo estava aparentemente tranqüilo e eu me divertia com as investidas de uma mulher no meu “guia turístico”, vêm um cara aparentando ter uns 22 anos ou menos e tira satisfação, dizendo que a tal mulher era bonita, gostosa, mas que era dele. Neste delicado momento, lembrei do Usain Bolt não sei por que.

Senti minhas pernas bambas, a barriga deu sinais que me faziam lembrar de papel higiênico e por dentro eu já estava mais gelado que a Antártida, apesar do clima estar como os desertos do Saara e Atacama juntos às duas horas da tarde. Foram uns 3 minutos de conversa que pareciam uma infinidade coberta de pavor. E que não sei como terminou. Sem muita força para caminhar, tamanho era meu medo, sem me dar conta eu já estava na saída do estabelecimento, rumo ao carro. O problema é que tinha esquecido que a chave do automóvel não estava comigo.

Saindo do momento tenso, migramos para a casa que fica do lado da outra que estávamos. Lá um clima mais ameno, e mulheres mais deliciosas. Mas havia jaburus, e pior, essas as mais fresquinhas.  Elas se achavam personagens de Gabriel Garcia Marques em Memórias de Minas Putas Trists e que algum velho já com a vida feita fosse tirá-las dali para uma noite que eu chamaria de quase amor. Uma vez que uma noite de completo amor com alguma delas seria humanamente impossível. Mas como ali não era literatura, somente a arrogância seriam suas companhias naquela noite.

  No local havia um número significativo de pessoas, muitos homens tentando se esfregar e ter ao menos um desconto para fazer o que suas mãos fariam de graça, embora houvesse dois mulherões que num estado de descuido da razão e falta de compaixão no dinheiro ganho, faziam a lógica dar espaço ao tesão sem dó. Confesso que suspirava forte quando uma loira dos olhos verdes, me olhava fixamente e com uma voz macia contava de suas farras por BH. Talvez por medo, ou “broxismo” mesmo, a loira se esfregava fervorosa e nada de uma reação (é isso mesmo que está pensando), algum tipo de resposta. Situação que me deixou um pouco constrangido, porém minha cara de “pau” (entendeu o trocadilho?) foi maior e fingi que estava tudo normal.

Entre uma esfregada e outra, uma outra gostosona me chama a atenção de forma bruta. O cidadão que estava comigo tentou uma abordagem insensível que resultou em olhares impiedosos entrelaçados com uma cara de desagrado geral por parte da moça.

Nessa hora saí do balcão e fui até onde a tal tinha sentado. Me apresentei e perguntei se podia sentar ali do lado e conversar. Ela com a cara fechada respondeu que sim, provavelmente achando que fosse mais um a lhe fazer propostas sexuais. Mas meu discurso foi outro, não resisti e fui especulá-la sobre sua vida. De onde era, o que fazia antes, se gostava ou era necessidade, enfim, essas coisas.

Comecei então minha conversa com a Alfenense de 26 anos e que “trabalha” como garota de programa há 5. Meio nervosa, provavelmente por não ter sido uma noite financeiramente boa, aos poucos foi ficando tranqüila e começou a contar sobre sua família, seus sonhos, mas admitiu para minha surpresa que, estava ali porque gostava do que fazia.

  – Sua família sabe o que faz?
  – Sabe sim.
  – Ela não se importa?
  – Não, na minha casa ninguém preocupa muito comigo (nesta hora vejo em seu rosto muito ódio).
  –E você tem mágoa disso?
  – Trato minha família do mesmo jeito que ela me trata. Também não ligo muito, não dou satisfação de nada da minha vida, não dependo dela pra viver nem nada (responde ainda com o rosto aparentando muito ódio).
 –Tem algum sonho?
 – Quero ter uma vida boa, não precisar mais disso para sobreviver.
Nesta hora fiz cara de tapado (ou seja, minha cara continuou do mesmo jeito de sempre), pois ela estava contradizendo o que havia dito para mim no começo da conversa quando disse que curtia o “trabalho”. Eu fiz de conta que estava tudo bem, não seria nenhum pouco agradável cutucar a moça com essa sua contradição. Achei melhor continuar o papo, pois percebi que o que ela havia me falado no início era por falta de assunto, uma tentativa de acabar logo aquilo, acreditei então que seria da boca pra fora.

Passei então por cima da contradição e segui perguntando. Aos poucos ela foi se soltando (sem conotação). Percebo então ali, uma carência que andava de mãos dadas e não soltava de uma angustia sem sinal de paz. Sem paz também fiquei e não resisti e perguntei quanto ela cobraria por um programa. Mas antes disso pedi licença para ir ao banheiro (sem pensamento de adolescente com espinhas na testa). Fui lá para anotar algumas coisas e não esquecer o que ela tinha dito.

–Já chegou a ganhar quanto em uma noite?
– Agora não ando bem. To desanimada disso, não sei o que fazer da minha vida. Mas quando estava disposta ganhei bem, mas não aproveitei, talvez por saber que o dinheiro que ganhava era um dinheiro que as pessoas sempre me descriminariam. Teve final de semana que ganhei mais de R$ 1.000.
– Tem alguma paixão mal resolvida e que tenha colaborado para te deixar indecisão que passa na sua vida? (Fiz essa pergunta, porque quase sempre tem dor de cotovelo no meio dessas estórias).
–Tem sim. (está vendo?) Namorei com um cara desde os meus 14 anos. Gosto dele até hoje, perdi a virgindade com ele, sempre apostei na nossa felicidade juntos.
–E ele por onde anda?
– A última vez que tive notícia, estava em Curitiba.
–E por que terminaram?
–Ele me traiu. E neste tempo engravidou a outra e me deixou, porque resolveu juntar com a mãe de seu filho. Eu fiquei muito mal nessa época.
–Foi esse o motivo que mais te incentivou a fazer programas?
–Foi sim. Vi que era uma forma de dar o troco nele, achei que ele fosse sentir ciúme quando ficasse sabendo e fosse me pedir perdão. Acho que é por isso que hoje ando tão indecisa, porque isto infelizmente não aconteceu.
–E quanto você cobra por um programa?
Atenta ela pergunta o que estudo; eu tento esquivar dizendo que era administração, pois falar que era jornalismo poderia, aliás, iria colocar tudo a perder, porque obviamente percebia minha intenção em apenas obter informação. Mas eu só não contava que a moça começava a suspeitar que me conhecia e, começa um bombardeio impiedoso de perguntas:

–Você tem quantos anos?
–Sou mais novo que você (rimos)
–O que fazia antes de estudar administração?
–Nada, é minha primeira faculdade.
–Você vai muito em Alfenas né?
(sem perceber onde ela queria chegar respondo brincando)
–Sim. Eu curto muito sua cidade. Tenho muita identificação com a galera de lá. Deve ser por causa das festas (rimos).
–Você já trabalhou em tal rádio?
(Neste momento fiquei tenso, quase enfartei. Ela acertou em cheio, pois realmente tinha trabalhado numa importante rádio da região e que embora não ficasse em Alfenas é como se fosse lá, tamanha era a audiência na cidade do Jota Questiano Rogério Flausino).
–Sim (respondi para ver no que daria aquilo).
Ela diz: ah, eu acho que te conheço, sua voz e jeito de falar não é estranho. Fechei os olhinhos (sem conotação de novo), concentrei e tentei lembrar se a tinha em alguma parafernálias eletrônica (orkut, msn, twitter, facebook, google wave, etc...) já que a maioria do pessoal que mantenho contado na rede é alfenense, tamanho é o ciclo de amizades e admiração que tenho pela galera de lá. Mas nada de lembrar.
–Você é o Marley né? (apelido que ganhei quando tinha um cabelão estilo ridículo) O locutor que só falava besteira né?(rimos) Eu vi foto sua no site da rádio tal (queria um publicitário para fechar um jabá com a rádio para dizer o nome aqui).
Sem graça respondo que sim.
–Eu já te vi em um show em Alfenas pulando feito louco. (Fiquei desconcertado nesse momento).
Percebendo a dramaticidade do assunto, pergunto-lhe novamente o preço de seu programa, e ela da uma resposta que não responde nada:
– Depende, cada momento é um preço, agora não tem porque estou indo dormir.
Eu insisto:
–Quanto é seu preço?Ela insiste em não responder.

 Vi que não havia clima para ela continuar ali, parecia que nada fazia sentindo. Um ar de tristeza e revolta a possuía, e me restou ter pena, mesmo que não devesse ter. Ficamos alguns segundos olhando um para outro, e assim que ela pediu licença e disse que iria dormir eu lhe peço seu número de celular e ela com olhar amigo, acredite, com uma educação admirável me passa. Pergunto se posso ligar para continuar a conversa e num suspiro responde que sim. Só que anta anotou o número, mas esqueceu de salvar. Eu me rendo, já estava meio bebum essa hora.

Ah, e eu o meu colega? Este havia saído com mais de R$ 300,00 e voltara para casa bebaço e com absolutamente nada de grana. Torrou tudo em birita, acredite se conseguir.

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